A Orquestra do desejo

“O Jardim das Delícias - Reflexões sobre questões materiais e transitórias ou simplesmente uma obra em processo”

SP Arte 2013

O que busca Raimundo pelos jardins de sua arte?

Ele diz: – “A própria busca”.

Assim começa essa história, que é corpo e caminha com cuidado, pé a pé sobre a perigosa e escorregadia linha da linguagem e que sabe, que num descuido as fronteira dos sentidos se dissolvem: o que é bom vira mau, o que é desejo também é desespero e o que a princípio é deleite, ao espelho se vê como delírio. Nada é, mas tudo é possível.

Nesse faz de conta dúvidas proliferam: Como afirmar virtudes se o mundo continua aqui fora? Como dizer “agora”, se o agora já é depois e depois ... e que eternamente o presente já é história? Como dizer de fato que ele está aqui ou que isto está ali, se seus nomes nos escapam? Nessa história das coisas sem nomes, vive-se sob a perspectiva dos índices e sinais; e é sobre estes rastros que o artista Raimundo Rodriguez cria “ O Jardim das Delícias - Reflexões sobre questões materiais e transitórias ou simplesmente uma obra em processo”.

Obra em processo, como diz o próprio título, nasceu no sopro antigo do Jardim das Delícias de Hieronymus Bosch, e teve seu agora em 1994. Ela conta a história da busca do artista, não mais pelos nomes ou definições, já que tudo é transitório e escorregadio, mas pelas existências. Há assim, nas 24 peças que a compõe, toda sorte de materiais: ferramentas, crucifixos, pedaços de madeira, enfim coisas que se soltaram das engrenagens do mundo, que perderam suas identidades e se tornaram presenças anônimas inundadas de falas sobre si.

E se em Bosch, que é com quem dialoga em silêncio o trabalho de Raimundo Rodriguez, os desejos estão ditos sob o nome de pecado e os encontramos corporificados em homens, mulheres e monstros, todos em carne, em Raimundo já o encontramos sublimado. O desejo é um desejo de tudo, um “eu quero” sem saber ao certo o que se quer. Perdidas suas funções iniciais, esses objetos se tornaram peças de um algo maior, que cresce e que canta suave o desejo em si. No fim o ritmo é dado: o coro dos objetos se forma, e em uníssono marcam a forma como eles se espalham na superfície das placas.

Caminhando no tempo, o artista Raimundo Rodriguez segue assim na sua obra infinita. Na sua busca incessante, encontra sempre a arte como início de resposta. A única coisa que permanece constante no seu trabalho é o gesto criativo: a mão do artista que orquestra os desejos.

Sabrina Travençolo
Cientista Social, artista plástica integrante do Grupo Garrucha






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